"O plano militar do major Otelo Saraiva de Carvalho (1) consistia em fechar Lisboa rapidamente, tomar os principais aeroportos, emissoras de rádio e instalações do governo e forçar logo a capitulação do regime. Unidades militares de todo o país foram discretamente sondadas, um processo que o governo sem querer acabou ajudando quando dispersou vários líderes do MFA (2) por quartéis de todo o interior na tentativa de dissolver o movimento nas semanas que antecederam o 25 de abril.
A senha para o golpe foi transmitida pela Rádio Renascença, emissora de rádio católica portuguesa, durante um programa intitulado Limite, apresentado à meia-noite por José Vasconcelos. A dica de que seu programa conteria a senha fora impressa no República, o jornal vespertino lisbonense [sic. Lisboeta] editado pelo socialista Raul Rego. Um comentário anônimo foi publicado na seção de crítica da programação: "O programa Limite que se transmite diariamente entre a meia-noite e as duas horas melhorou notoriamente nas últimas semanas. A qualidade dos apontamentos transmitidos e o rigor da seleção musical fazem do Limite um tempo radiofónico de audição obrigatória".
Aos 25 minutos do dia 25 de abril, José Vasconcelos leu no ar a letra do disco que havia em seu toca-discos. A canção era "Grândola, Vila Morena", uma cantiga popular de José (Zeca) Afonso, dissidente do Alentejo, celeiro de Portugal e terra de latifúndios.
(...) Esse foi o poético sinal para a revolta.
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Salgueiro Maia |
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Marcello Caetano |
É preciso oponentes para fazer uma revolução sangrenta, mas em 25 de abril de 1974 a vontade de resistir a um golpe não existia. Apenas a polícia secreta, entocada em sua sede com metralhadoras, opôs-se ao golpe, e seus breves disparos causaram as únicas baixas. Marcello Caetano, desamparado, sentado numa saleta nos fundos do quartel do Carmo, desconfiava que o fim estava próximo desde fevereiro, quando lera o livro do general Spíndola (5). Este, enquanto isso, concordou em assumir o poder, porém se lhe garantissem o apoio total do MFA e se essa garantia viesse de um oficial de patente superior à de tenente-coronel. Ironicamente, o único oficial nesse grau hierárquico no comitê coordenador do MFA era o coronel Vasco Gonçalves, partidário dos comunistas.
O general Spíndola (à esquerda), de pingalim e monóculo, chegou ao quartel do Carmo às 5h54 da tarde. Dez mil pessoas agora se apinhavam ne estreita praça defronte à sede da Guarda Nacional Republicana. Spíndola foi conduzido à sala onde Caetano o aguardava, e o primeiro-ministro rendeu-se. Caetano foi levado rapidamente em um carro blindado com outros membros de seu governo deposto e mantido até o dia seguinte no quartel de engenharia em Pontinha, nos arredores de Lisboa, de onde o major Otelo de Saraiva Carvalho dirigira o golpe de Estado. Às oito horas da manhã seguinte Caetano e Tomás foram mandados para exílio temporário na ilha da Madeira.

Notas:
(1) Militar nascido em Moçambique, Otelo Saraiva de Carvalho participou ativamente das guerras coloniais portuguesas, primeiro entre 1961 e 1963 na Guiné e, depois, entre 1970 a 1973 em Angola. Foi neste último período que ajudou a fundar o Movimento dos Capitães, que questionava a política portuguesa, principalmente o envolvimento militar do país no processo de descolonização. É considerado um dos cérebros por trás do 25 de Abril, quando controlou a ação dos militares revoltosos a partir do quartel da Pontinha.
(2) Linha de frente nas guerras coloniais, os oficiais de médio escalão das forças armadas portugueses fundaram o Movimento dos Capitães, grupo político que, diante da recusa do presidente Marcello Caetano em encontrar uma solução política para os conflitos, percebeu que a única forma de dar fim aos combates seria derrubar o governo. Depois de uma campanha de informação acerca de suas intenções dentro dos quartéis, o Movimento começou a arquitetar um golpe militar. A 5 de março de 1974, o grupo passou a ser denominado Movimento das Forças Armadas (MFA) cujo programa pode ser sintetizado em três lemas: democratizar, descolonizar e desenvolver. Após uma tentativa fracassada a 16 de março de 1974, o MFA, através da participação de cerca de 300 oficiais, arquitetou um nova ação para a semana de 20 a 27 de abril que, bem sucedida, derrubou o governo no dia 25.
(3) Fernando José Salgueiro Maia nasceu na vila de Castelo de Vide a 1º de julho de 1944, de onde ainda criança se transferiu com a família para cidades da região do Ribatejo, onde seu pai trabalhava como ferroviário. Em 1964 ingressou na Academia Militar, apresentando-se ao final do curso na Escola Prática de Cavalaria. Foi durante o período em que serviu em Moçambique que ingressou no Movimento dos Capitães e, a partir de 1973, tornou-se o representante da Cavalaria na comissão que coordenava as ações que levaria ao golpe. Foi Salgueiro Maia quem comandou a coluna de blindados que partiu de Santarém na madrugada de 25 de abril rumo à Lisboa e que tomou pontos estratégicos como, por exemplo, os ministérios localizados no Terreiro do Paço. Foi Salgueiro Maia que escoltou o presidente Marcello Caetano rumo ao exílio no Brasil. O mais celebrado "capitão de Abril" morreu, vítima de câncer, a 4 de abril de 1992.
(4) Nascido em Lisboa a 17 de agosto de 1906, Marcello José das Neves Alves Caetano formou-se em Direito em 1927. Após o doutorado (1931), iniciou sua carreira de professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Engajado desde a juventude em movimentos políticos de cunho conservador, integrou o governo de Oliveira Salazar (1889-1970) a partir de 1933, participando da redação da Constituição promulgada no mesmo ano. Começou então a galgar postos no Estado Novo estando, entre os mais importantes, o de Ministro das Colônias (1944-1947) e o de Presidente do Conselho de Ministros (1955-1958). Desentendimentos com Salazar o distanciaram do poder até que, com o afastamento do Presidente devido a um acidente, foi escolhido para substituí-lo. Sua chegada ao poder foi vista como uma esperança de redemocratização de Portugal, contudo a recusa dos conservadores por reformas e a continuação das guerras coloniais geraram grande insatisfação. Com o 25 de Abril, foi exilado para o Rio de Janeiro, onde continuou sua carreira acadêmica até sua morte, a 26 de outubro de 1980.
(5) Antônio Sebastião Ribeiro de Spínola nasceu em Estremoz a 1º de abril de 1910, ingressando no Colégio Militar em 1920. Ao término do curso, serviu no Regimento de Cavalaria. Em 1939, iniciou sua trajetória na Guarda Nacional Republicana (GNR) e, dentro da orientação fascista do governo de Salazar, faz viagens de instrução junto ao Exército alemão na frente russa e na Guarda Civil Espanhola. Serve em Angola como voluntário em 1962 e após seu retorno tornou-se comandante da GNR e, em 1968, Governador e Comandante Chefe das Forças Armadas na Guiné. Foi convidado por Marcello Caetano para ser Ministro do Ultramar, mas recusou para ser Vice-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, do qual foi exonerado alegadamente por se recusar a participar de uma manifestação de apoio ao governo. O verdadeiro motivo foi a publicação do livro Portugal e o Futuro (1974) onde questionava, a partir de sua experiência na Guiné, a condução da política colonial portuguesa. Spínola defendia uma solução política para o conflito com a adoção de uma constituição única aplicada também aos território coloniais. Foi Spínola que recebeu a rendição de Marcello Caetano e tornou-se o primeiro presidente de Portugal após o 25 de Abril. Morreu a 13 de agosto de 1996.
(3) Fernando José Salgueiro Maia nasceu na vila de Castelo de Vide a 1º de julho de 1944, de onde ainda criança se transferiu com a família para cidades da região do Ribatejo, onde seu pai trabalhava como ferroviário. Em 1964 ingressou na Academia Militar, apresentando-se ao final do curso na Escola Prática de Cavalaria. Foi durante o período em que serviu em Moçambique que ingressou no Movimento dos Capitães e, a partir de 1973, tornou-se o representante da Cavalaria na comissão que coordenava as ações que levaria ao golpe. Foi Salgueiro Maia quem comandou a coluna de blindados que partiu de Santarém na madrugada de 25 de abril rumo à Lisboa e que tomou pontos estratégicos como, por exemplo, os ministérios localizados no Terreiro do Paço. Foi Salgueiro Maia que escoltou o presidente Marcello Caetano rumo ao exílio no Brasil. O mais celebrado "capitão de Abril" morreu, vítima de câncer, a 4 de abril de 1992.
(4) Nascido em Lisboa a 17 de agosto de 1906, Marcello José das Neves Alves Caetano formou-se em Direito em 1927. Após o doutorado (1931), iniciou sua carreira de professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Engajado desde a juventude em movimentos políticos de cunho conservador, integrou o governo de Oliveira Salazar (1889-1970) a partir de 1933, participando da redação da Constituição promulgada no mesmo ano. Começou então a galgar postos no Estado Novo estando, entre os mais importantes, o de Ministro das Colônias (1944-1947) e o de Presidente do Conselho de Ministros (1955-1958). Desentendimentos com Salazar o distanciaram do poder até que, com o afastamento do Presidente devido a um acidente, foi escolhido para substituí-lo. Sua chegada ao poder foi vista como uma esperança de redemocratização de Portugal, contudo a recusa dos conservadores por reformas e a continuação das guerras coloniais geraram grande insatisfação. Com o 25 de Abril, foi exilado para o Rio de Janeiro, onde continuou sua carreira acadêmica até sua morte, a 26 de outubro de 1980.
(5) Antônio Sebastião Ribeiro de Spínola nasceu em Estremoz a 1º de abril de 1910, ingressando no Colégio Militar em 1920. Ao término do curso, serviu no Regimento de Cavalaria. Em 1939, iniciou sua trajetória na Guarda Nacional Republicana (GNR) e, dentro da orientação fascista do governo de Salazar, faz viagens de instrução junto ao Exército alemão na frente russa e na Guarda Civil Espanhola. Serve em Angola como voluntário em 1962 e após seu retorno tornou-se comandante da GNR e, em 1968, Governador e Comandante Chefe das Forças Armadas na Guiné. Foi convidado por Marcello Caetano para ser Ministro do Ultramar, mas recusou para ser Vice-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, do qual foi exonerado alegadamente por se recusar a participar de uma manifestação de apoio ao governo. O verdadeiro motivo foi a publicação do livro Portugal e o Futuro (1974) onde questionava, a partir de sua experiência na Guiné, a condução da política colonial portuguesa. Spínola defendia uma solução política para o conflito com a adoção de uma constituição única aplicada também aos território coloniais. Foi Spínola que recebeu a rendição de Marcello Caetano e tornou-se o primeiro presidente de Portugal após o 25 de Abril. Morreu a 13 de agosto de 1996.
* In: MAXWELL, Kenneth. O império derrotado: revolução e democracia em Portugal. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 89-91.
O inglês Kenneth Maxwell chegou ao Brasil em 1965, quando conseguiu da Universidade de Princeton uma bolsa de pós-graduação para estudar a formação do Império brasileiro. Em uma visita a Minas Gerais, conhecer a cidade de Ouro Preto o convenceu a estudar mais sobre a Inconfidência Mineira. O resultado desses estudos, o livro A Devassa da Devassa, publicado em 1977, revolucionou a forma como era visto o movimento. Desde então reputado como um dos maiores "brasilianistas" da atualidade, Maxwell estudou ainda sobre o figuras políticas importantes da história luso-brasileira como, por exemplo, o Marquês de Pombal. O livro sobre o 25 de Abril foi, segundo suas palavras, foi resultado de uma dívida que tinha "junto aos portugueses de todas as classes sociais e posições políticas que, no decorrer dos anos, compartilharam comigo suas idéias e preocupações". Atualmente, Kenneth Maxwell é professor do Departamento de História e diretor do Programa de Estudos Brasileiros do Centro de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS) da Universidade de Harvard.
Olá! Só hoje é que descobri seu artigo. O General referido com o nome de"Spindola", era António SPÍNOLA. Antecipou o Movimento das Forças Armadas no derrube da Ditadura ao escrever o seu livro "Portugal e o Futuro", que assustou o poder de então, tendo sido colocado de parte. Mais tarde, já depois de ter sido o primeiro Presidente da Républica depois do 25A, comandou um golpe militar, tendo sido obrigado a refugiar-se em Espanha. Usou um helicóptero na sua fuga, tendo antes metralhado um quartel onde um soldado foi morto pelas balas vindas do ar. Posteriormente, este povo adormecido esqueceu o sucedido, e Spínola acabou por regressar. Lembro-me da criatura nos últimos anos de sua vida, nas suas férias no Hotel do Luso, sempre de monóculo e de caracter desprezível. Otelo Saraiva de Carvalho este nos inicios dos anos 80 ligado às forças populares 25 de Abril, que durante os seus actos assaltaram bancos e assassinaram pessoas alegando fazer parte dos seus planos para derrotar as forças da Direita. Esteve alguns anos preso até ser libertado pelo Ex-Presidente Mario Soares, este último falecido em 2017.
ReplyDeleteForam tempos muito controversos, polémicos e é pena que as novas gerações não se interessem por esta temática. Hoje em dia um golpe destes seria impensável...o mundo é hoje muito diferente.
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