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Missa campal em Ação de Graças que contou com a presença da princesa Isabel e cerca de vinte mil pessoas em celebração a abolição. Rio de Janeiro, 17 de maio de 1888. |
Estado, Igreja e sociedade, unanimente investiram contra o negro escravo. Falou o conselheiro Jerônimo Francisco Coelho, presidente da província, à Assembléia Legislativa, na sessão ordinária da 6ª Legislatura, em 1º de outubro de 1848:
Nas margens do Lago Amapá, como antes vos disse, nas terras do Cabo do Norte, e no arquipélago das Ilhas da Foz do Amazonas existe considerável porção de indivíduos, grande parte foragidos desde as desordens de 1835, e outros que posteriormente se lhes têm agregado, inclusive desertores quilombolas, e réus de polícia ou vagabundos.
O negro aquilombado era tido invariavelmente criminoso, infame ou réprobo. A caça ao negro fujão e a destruição dos quilombos se fez de maneira sistemática e impiedosa.
A causa dos escravos será defendida esporacidamente nesses jornais, o mais das vezes através de denúncias de sevícias de senhores ou excessos policiais. Neste particular, o aparecimento da imprensa humorística e satírica terá alguma significação, sobretudo quado surgem as folhas ilustradas, destacadamente O Puraqué e A Vida Paraense, ambos litografados na oficina do alemão Carlos Wiegandt, por volta de 1884. A imprensa abolicionista é consequência da fundação das ligas libertadoras e, no Pará, são poucos os órgãos impressos, entre outros, O Abolcionista (Belém, 1882), O Abolicionista Paranse (Belém, 1883-1884). Os órgãos de propaganda republicana apareceram na década anterior.
A defesa da causa dos escravos só adquiriu forma organizada e consequente com a criação das sociedades emancipadoras. Em 1858 o médico Antônio David Vasconcelos Canavarro, o jornalistas João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha e o professor José Teodoro Saraiva da Costa agitaram a idéia da criação da Sociedade Ypiranga, que tinha por fins promover a libertação dos escravos.
Essa inciativa não produziu os frutos que almejava. Algum tempo depois começaram a ocorrer alguns atos estimulantes, noticiados pelo imprensa como "atos de filantropia", tal como noticiou o Jornal do Pará:
ATO DE FILANTROPIA - Ontem estando expostas à venda no leilão do agente Castro, três mulatinhas escravas de menor idade pertencentes ao espólio de Francisco Antônio Simões, o negociante desta praça Frederico Vionne ofereceu um conto de réis pela liberdade delas e foi aceito.
Este ato de humanidade deste distinto cavalheiro foi muito aplaudido, recebendo em seguida um cordial abraço de todas as pessoas que assistiam a este ato.
Uma boa lição nunca fica sem a sua devida recompensa.
A primeira sociedade estável foi inciativa de outro estrangeiro, o austríaco Carlos Seidl, Associação Filantrópica de Emancipação dos Escravos, oganizada em 1869 e que pretendia libertar os escravos por "meios pacíficos e úteis aos escravos e aos senhores", sem prejuízo do direito de propriedade. Informa Ernesto Cruz que, mais tarde, "com a queda do ministério presidido pelo Barão de Cotegipe, e a consequente ascenção ao poder do gabinete João Alfredo, redobraram de atividade os abolicionistas paraenses".
(...) Tempo depois surgiu o Club Abolicionista Patroni, cujos estatutos foram apresentados pelo presidente da mesa provisória, o Dr. Manoel Moraes Bittencourt, através do requerimento ao presidente da Província, sendo os mesmos aprovados após obterem informação do desembargador procurador da Coroa (Portaria de 27 de maio de 1882). Segundo os estatutos, capítulo 1, a sociedade tinha a seguinte denominação e fins:
Art. 1º A Associação criada nesta cidade de Belém do Grão-Pará, com denominação - Club Abolicionista Patroni - tem por fim cooperar para a abolição da escravidão por todos os meios, legítimos e legais.
Art. 2º Esta associação existirá enquanto não for extinta a escravidão nesta província e se comporá de número ilimitado de sócios.
(...) Logo depois, pela Portaria de 20 de junho de 1882, Domingos Antônio Rayol, no exercício da vice-presidência, aprova os estatutos do Club Batista Campos. E mais outra liga se organiza, em 1883, a Sociedade Abolicionista 28 de Setembro, iniciativa dos catraieiros do porto de Belém que, reunidos em grande assembléia, decidiram não mais dar embarque, nem desembarque, a escravos.
Em 1884 dá-se verdadeira explosão emancipadora. Organizou-se a Liga Redentora presidida pelo conselheiro Tito Franco de Almeida; a União Reatora Contra a Escravidão, chefiada pelo conselheiro Romualdo Paes de Andrade e ainda o Club Amazônia, à frente do qual se encontrava o dr. José H. Cordeiro de Castro, e que estaria "exclusivamente dedicado à causa", conforme noticia A Vida Paraense nº 34, 4ª série, de 30 de abril daquele ano. Todavia, a mais ativa sociedade foi, sem dúvida, a 28 de Setembro, organizada pelos catraieiros do porto de Belém, portanto iniciativa popular. Em prol da sociedade foi publicado o livro Cartas e discursos abolicionistas, de Raimundo B. Leal Castello Branco, que reúne 7 cartas e 7 discursos relativos à escravidão.
A imprensa foi a principal porta-voz da campanha abolicionista, não só tornando-se simpática à causa, como manifestando, agora com grande veemência, repulsa à escravidão. O jornal A Inquisição, que na Questão Religiosa se colocara contrário à D. Antônio de Macedo Costa, fez propaganda da abolição em artigos assinados pelo professor José Theodoro Saraiva da Costa. O Diário de Notícias, propriedade de João Campbell, e A Província do Pará, sob a chefia do dr. José Joaquim de Assis (por sinal capitalista e fazendeiro no Marajó) e de Antônio José de Lemos, colocaram-se a serviço da causa abolicionista. O dr. José Agostinho dos Reis, engenheiro paraense, pregou com ardor a abolição da escravatura, em conferências, dircursos e artigos. Não se contam os poetas abolicionistas. A serviço da causa, artistas de teatro, como Lima Penante e músicos, como José Domingues Brandão. Até as lojas maçônicas, afiança Jorge hurley, empenharam-se na campanha.
As sociedades promoveram efetivamente a libertação de muitos escravos. A entrega das cartas de liberdades se constituía ato público solene, com vasta publicidade, e a data preferida era o 2 de dezembro, dia do aniversário natalício do imperador.
A Vida Paraense, jornal humorístico e satírico publicado pelo desenhista e escritor maranhense João Afonso do Nascimento, fixou na edição de 30 de março de 1884, uma dessas festas de doação de cartas de liberdade realizadas no Teatro da Paz. O jornal circulou precisamente numa data comemorativa, a que fora marcada para a redenção dos cativos da vila de Benevides, proximidades a Belém, à margem da ferrovia em construção. Por isso, à pag. 5 [acima], vem uma alegoria a esse ato, tendo como legenda o seguinte texto:
A Amazônia inscreve-se logo em seguida ao CEARÁ, lavrando com a redenção de Benevides o compromisso solene de empenhar-se para limpar o seu território, sem perturbação da ordem e do direito, da nódoa aviltante da escravidão.
A imprensa, de modo geral, deu ampla cobertura ao trabalho das ligas libertadoras. Ela tornou-se de súbito entusiasmo após os fatos ocorridos no Ceará. Na Tipografia Comercial do Pará, em 1884, foi impressa A Jangada, edição única comemorativa da emancipação dos escravos naquela Província. Noticiário e alegorias apareceram nos jornais de maior circulação. Publicou-se também muita poesia e se fez música para as mesmas ocasiões. Além de peças menores, José Domingues Brandão compõs uma abertura sinfõnica e José Cândido da Gama Malcher uma ópera abolicionistas, Bug-Jargal, com libreto de Vincenzo Valle, argumento tirado do romando homônimo de Victor Hugo. Trata da sublevação dos escravos na ilha de São Domingos, em 1791. Outros, como Roberto de Barros, compuseram hinos.
A abolição era uma festa.
* In SALLES, Vicente. O negro no Pará sob o regime da escravidão. 3ª ed., Belém: IAP/Programa Raízes, 2005, pp. 340-347.
Vicente Juarimbu Salles nasceu a 27 de novembro de 1931 na Vila de Caripi, uma localidade de Igarapé-Açu. Mudou-se para Belém para fazer o curso secundário, mesma época em que passou a contribuir com poesias, contos e crônicas para o jornal O Estado do Pará. Pouco tempo depois iniciou suas pesquisas sobre o folclore paraense, acumulando uma grande coleção de discos, partituras, jornais e fotografias acerca do tema. Em 1954, foi morar no Rio de Janeiro onde se formou bacharel em Ciências Sociais com especialização em Antropologia. A partir daí, realizou uma verdadeira peregrinação pelo território paraense em busca das mais variadas manifestações artísticas e culturais, especialmente a música e o teatro. Foi durante essas pesquisas que percebeu a importância do elemento negro na formação da sociedade e da cultura paraenses, tema do qual deixou obras hoje consideradas de referência como "O negro no Pará sob o regime da escravidão" (primeira edição lançada em 1968). Considerado um dos maiores intelectuais paraenses do século XX, Vicente Salles faleceuno dia 7 de março de 2013.
Vicente Juarimbu Salles nasceu a 27 de novembro de 1931 na Vila de Caripi, uma localidade de Igarapé-Açu. Mudou-se para Belém para fazer o curso secundário, mesma época em que passou a contribuir com poesias, contos e crônicas para o jornal O Estado do Pará. Pouco tempo depois iniciou suas pesquisas sobre o folclore paraense, acumulando uma grande coleção de discos, partituras, jornais e fotografias acerca do tema. Em 1954, foi morar no Rio de Janeiro onde se formou bacharel em Ciências Sociais com especialização em Antropologia. A partir daí, realizou uma verdadeira peregrinação pelo território paraense em busca das mais variadas manifestações artísticas e culturais, especialmente a música e o teatro. Foi durante essas pesquisas que percebeu a importância do elemento negro na formação da sociedade e da cultura paraenses, tema do qual deixou obras hoje consideradas de referência como "O negro no Pará sob o regime da escravidão" (primeira edição lançada em 1968). Considerado um dos maiores intelectuais paraenses do século XX, Vicente Salles faleceuno dia 7 de março de 2013.
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